Eu odeio vĂdeos de motivação.
Abstract
Nota: Antes de iniciar o texto, gostaria de fazer um comentĂĄrio importante. O assunto motivação, sacrifĂcio e mĂ©rito Ă© extremamente delicado. Vivemos em um paĂs onde jĂĄ Ă© um privilĂ©gio enorme ter a chance de escolher com o que usar o seu tempo e se esforçar. Portanto, tudo que eu disser abaixo deve ser entendido no contexto de pessoas que querem aprender alguma habilidade, passar em alguma prova e consomem conteĂșdos motivacionais de forma excessiva, procurando uma via de escape para lidar com a pressĂŁo. Meu ponto gira em torno da minha opiniĂŁo de que, na verdade, os vĂdeos motivacionais podem estar te levando para a direção oposta de onde vocĂȘ quer chegar. Eu nĂŁo acredito em meritocracia.
Eu me aventurei em alguns esportes durante a vida, mas o jiu-jitsu foi o que mais gostei e pratiquei por mais tempo. Nesse perĂodo, mesmo sendo um hobbie, eu levava o esporte a sĂ©rio. Tentava sempre treinar o mĂĄximo de dias possĂveis, consumia materiais com dicas, chegava antes do treino para praticar posiçÔes e buscava aprender e trabalhar as deficiĂȘncias que eu notava no meu jogo.
TĂĄ, mas o que isso tem a ver com motivação? Bem, a cultura do ambiente esportivo me ensinou muita coisa que tem aplicação em diversas ĂĄreas da vida. No fundo, aprimorar suas habilidades em algo Ă© simplesmente um processo de aprendizado como qualquer outro. Mas, no esporte e na competição, a cultura da motivação e do sacrifĂcio certamente se sobressai. Entre meus colegas praticantes, eu notava muita gente motivada, sempre com uma frase de efeito na ponta da lĂngua, insistindo em bater na tecla de como estavam se doando e se levando ao extremo e, por isso, acreditavam que seriam recompensados. Mas serĂĄ que foram mesmo? NĂŁo hĂĄ dĂșvidas de que estavam submetendo o corpo a algum tipo de estresse. PorĂ©m, no quesito progresso, estavam sempre parados no tempo. O esforço deles era mal direcionado, e esforço sem direção nĂŁo Ă© progresso, Ă© desperdĂcio de energia.
Aposto que vocĂȘ encontra exemplos parecidos ao seu redor e talvez atĂ© caia nessa armadilha em alguma ĂĄrea da sua vida. Ă comum acreditar que sacrifĂcio e merecimento andam de mĂŁos dadas. Essa cultura Ă© fortĂssima no esporte e, eu diria, tambĂ©m bastante presente no ambiente de estudos, especialmente durante o ensino mĂ©dio, para quem presta concursos e atĂ© na graduação.
Aqui entra meu problema com os vĂdeos de motivação. Eles passam a ideia de que uma conquista precisa andar de mĂŁos dadas com um caminho de dor. E o pior, geralmente passam a falsa impressĂŁo de que vocĂȘ Ă© especial, que seu trabalho e suor valem mais que os dos outros. De novo: jĂĄ Ă© um privilĂ©gio enorme ter a chance de escolher com o que se sacrificar. Se o ato de se colocar em situaçÔes de estresse fosse minimamente associado a ter retorno, o brasileiro mĂ©dio seria imbatĂvel.
Um vĂdeo motivacional pode ser Ăștil para lembrar de algum propĂłsito. O problema estĂĄ quando ele desperta em vocĂȘ uma sensação de superioridade e te faz acreditar que o que te falta Ă© se sacrificar mais, levando Ă falsa ideia de que, por levar seu corpo a um estresse maior, vocĂȘ merece mais do que os outros. Um exemplo clĂĄssico, deixar de ir ao aniversĂĄrio de um amigo querido porque precisa estudar. Salvo casos extremos, como quando a prova Ă© no dia seguinte e vocĂȘ precisa descansar, se algumas horas com amigos atrapalham seu processo, na minha opiniĂŁo, vocĂȘ estĂĄ fazendo tudo errado.
O conteĂșdo motivacional te cega para os reais problemas que deveria enfrentar durante seu processo de aprendizado. Isso deveria ser Ăłbvio, jĂĄ que o vĂdeo Ă© sempre genĂ©rico e vocĂȘ Ă© uma pessoa Ășnica. Mas, como o conteĂșdo Ă© feito para te fazer sentir especial, vocĂȘ sempre sai com a impressĂŁo de que ele foi feito pensando em vocĂȘ. Ăs vezes, vocĂȘ atĂ© os usa como refĂșgio para nĂŁo lidar com as questĂ”es importantes.
A melhor forma de fazer progresso Ă© por meio do autoconhecimento e da autocrĂtica. Ă preciso lidar com suas dificuldades e reconhecer onde investir tempo. Esse Ă© o ponto mais importante. As coisas podem ser difĂceis, mas nĂŁo precisam ser estressantes. Se direcionar sua energia para os problemas corretos, o progresso virĂĄ, independentemente do que os outros estĂŁo fazendo. Isso nĂŁo significa que nĂŁo haverĂĄ sacrifĂcio. Para tudo que exige dedicação, hĂĄ escolhas, e o ato de escolher jĂĄ Ă©, por si sĂł, uma forma de sacrifĂcio.
Por exemplo, no jiu-jitsu, eu identificava meus pontos fracos, montava um plano de treinos para praticar as posiçÔes e tentava me colocar em situaçÔes reais de combate em que aquela tĂ©cnica seria necessĂĄria. Com o tempo, eu melhorava exatamente no que estava travando meu progresso. Meus colegas âmotivacionaisâ, por outro lado, chegavam atrasados, pulavam o aquecimento, alegando nĂŁo oferecer desafio suficiente, e tentavam lutar apenas com os mais experientes, acreditando que o sacrifĂcio maior os levaria a algum lugar. Escrevendo assim, atĂ© parece piada imaginar que isso funcionaria.
Essa mesma estratĂ©gia que usei no jiu-jitsu foi exatamente o que aprendi a fazer durante a graduação e a pĂłs-graduação. Todos esses estĂĄgios sĂŁo processos individuais. NĂŁo adianta copiar o mĂ©todo de estudo do fulano nem estudar o mesmo nĂșmero de horas do ciclano. Ă fundamental encontrar seu ritmo, identificar suas fraquezas e trabalhar a partir das suas necessidades. Dessa forma, vocĂȘ alinha seu investimento de esforço e, se quiser, de sacrifĂcio com o seu progresso. Ver as coisas dando certo durante esse processo Ă© o melhor prĂȘmio. NĂŁo torne tudo que vocĂȘ faz em uma competição: na esmagadora maioria das vezes, vocĂȘ estĂĄ apenas lutando sozinho(a).
Basear seu motivo para agir em vĂdeos motivacionais e ignorar a individualidade do processo Ă© como nĂŁo abrir um livro o ano inteiro, rezar trĂȘs terços antes do vestibular e esperar gabaritar a prova. Cuide-se e conheça-se a ponto de saber o que precisa melhorar para seguir em frente. Progresso Ă© individual e, quando vocĂȘ aprende a lidar consigo mesmo, tudo flui muito melhor.
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